Farther west than west, beyond the land,
My people are dancing on the other wind.
A autora norte-americana Ursula K. Le Guin pertence hoje, sem contestação, ao panteão de escritores mais notáveis da literatura fantástica, tendo já transgredido as fronteiras do género e obtido reconhecimento literário e académico. O conjunto da sua obra revela uma inigualável mestria tanto no género da fantasia, como Ficção Científica.
Foi a sua saga Terramar – Earthsea a obra de fantasia que lhe conquistou admiração incondicional por parte do público leitor. É uma das suas mais adoradas criações e, embora inicialmente concebida para um público juvenil, tornou-se parte do imaginário popular fantástico e fonte de influência para inúmeros escritores.
Há um forte sentido do real criado nos livros, que perpassa por toda a magia, criando uma atmosfera única, sendo essa capacidade de verosimilhança uma das qualidades da saga mais realçada.
Concebida inicialmente como uma trilogia, publicada nos anos 70, A Wizard of Earthsea – O Feiticeiro e a Sombra, The Tombs of Atuan – Os Túmulos de Atuan e The Farthest Shore – A Praia mais Longínqua contam a história de um mundo onde a magia reside na Fala da Criação, a fala dos dragões, e onde os verdadeiros nomes não devem ser pronunciados. Os feiticeiros são indivíduos que aprendem um limitado domínio sobre essa linguagem, sempre cientes de que os seus actos de magia podem interferir no equilíbrio do mundo.
Ursula Le Guin conta, em especial, a história do feiticeiro Ged, desde a sua infância e maioridade, até atingir o estatuto de Arquimago de Terramar, já um velho sábio.
As aventuras de Ged nunca se limitam a meras acções heróicas, mas consistem em etapas marcantes que o ensinam a lidar com o seu poder e o mundo que o rodeia, um percurso de aprendizagem que vai desde a adolescência arrogante e orgulhosa, passando pela escuridão do mundo subterrâneo onde encontra a luz, indo os seus passos de encontro ao mundo das Sombras onde é forçado a suportar a prova mais cruel de todas.
Vinte anos mais tarde, a autora sentiu que ainda havia mais por contar e voltou a dar-nos notícias do mundo de Terramar. O 4º volume – Tehanu – marca uma viragem dentro da ficção que reflecte as próprias posições sociais da autora. É um volume não menos complexo ou subtil, mas o que observamos de heróico na trilogia, passa a adquirir uma faceta mais humana. A autora põe em causa muita da mitologia de Terramar e as suas personagens, sem nenhuma caracterização especialmente épica e heróica, ofertando-nos apenas um forte relato emocional centrado nas mulheres e na sua força e poder face à adversidade.
Posteriormente, surgiu uma colectânea de histórias – Tales from Earthsea (sem tradução disponível em português) – que preenche muitas das lacunas deixadas pela autora e servem de ponte entre Tehanu e o último volume – The Other Wind – publicado em 2001 e agora traduzido pela Presença sob o título, Num Vento Diferente.
A história começa com Alder, um feiticeiro humilde que procura a casa de Ged, nas montanhas de Gont. Alder é um homem atormentado pelos seus pesadelos de mortos que lhe imploram para que os salve da terra árida e desolada onde é seu destino passar a eternidade. Aterrorizado pela situação e pelo espírito da mulher que não está em paz, procura pela sabedoria do outrora Arquimago e confidencia-lhe os seus medos.
O Ged deste livro é um Ged que atingiu paz interior e já só irá jogar um papel secundário no desenvolvimento dos eventos. Apesar de não ter nenhuma solução para oferecer a Alder, pressente a importância dos sonhos e aconselha-o a ir de encontro ao rei Lebannen.
Na cidade de Havnor, encontra-se o rei, juntamente com Tenar e Tehanu. Lebannen recebe notícias perturbantes de que os dragões quebraram a promessa de habitar no Ocidente e invadiram terras habitadas pelos humanos, semeando o caos.
Com as notícias de Alder, juntamente com outras lendas e histórias relembradas, apercebem-se de que um grave desequilíbrio tomou conta do mundo de Earthsea, de alguma forma relacionado com a terra dos mortos. De modo a decifrar o enigma, todas as personagens ir-se-ão reunir na ilha de Roke, o centro do poder, e procurar desvendar a verdade que acabará por transformar os seus mundos para sempre.
No plano das personagens, uma interessa-nos particularmente pelo que ela própria é e poderá vir a ser, Tehanu. A criança cresceu e agora tornou-se uma jovem rapariga tímida e sempre a procurar refúgio em Tenar. O seu poder esconde-se por trás da sua aparente fragilidade, mas isso não a impedirá de cumprir o seu destino, para grande mágoa da sua mãe adoptiva.
São muitas as alusões nostálgicas aos quatro primeiros livros, desta vez exprimindo-se por várias vozes narrativas que constantemente evocam antigas memórias e se interrogam sobre o futuro. Todas as suas concepções sobre o mundo serão desafiadas e as próprias fundações da magia humana serão abaladas.
A questão da mortalidade e imortalidade ainda continua presente, já abordada no terceiro livro, e a capacidade de Alder para consertar aquilo que foi quebrado, irá para sempre mudar a face de Terramar. A mudança e necessidade por mudança é outra das qualidades essenciais da obra; uma mudança que restaura o equilíbrio através da união dos opostos, a união entre homem e mulher, humanos e dragões, vida e morte.
A sintonia entre o plano épico e o plano humano atinge um nível extraodinário e comovedor, e o final apoteótico em nada estraga a coerência do mundo, antes expande-lhe as fronteiras, encerrando com chave de ouro a saga.
Assim os admiradores de Terramar irão encontrar um livro mais profundo, imbuído de uma filosofia muito própria presente em cada diálogo e em cada descrição, e que consagra, uma vez mais, uma excelente contadora de histórias.