Em Inteligência Artificial de Steven Spielberg são entidades alienígenas de um futuro distante que concretizam o maior desejo da criança andróide. Seres amistosos e protectores que conservam a memória da raça extinta humana como um bem precioso.
Desta vez, em Guerra dos Mundos, do mesmo realizador, a resistência é inútil contra um ataque invasor perpetrado por marcianos, detentores de uma superioridade tecnológica que nenhum instrumento bélico humano pode igualar.
A obra de H. G. Wells, publicado pela primeira vez em 1898, encontra, mais de 100 anos passados aquando sua publicação, ecos perturbantes na realidade do séc. XXI. Já um clássico de FC, tornou-se parte do imaginário popular a invasão de marcianos que gerou um cenário apocalíptico – êxodos urbanos, destruição em massa – acabando por ser aniquilados inesperadamente e eficazmente por bactérias – But there are no bacteria in Mars, and directly these invaders arrived, directly they drank and fed, our microscopic allies began to work their overthrow.
Um leitor poderia dizer que se trata de uma obra datada e mais compreensível à luz de uma determinada época histórica marcada pela realidade britânica imperialista e pela aceitação gradual e controversa das teorias evolucionistas de Charles Darwin. Mas tal explica o fascínio da actualidade por esta obra, já por 3 vezes adaptada cinematograficamente no ano de 2005?
Guerra dos Mundos talvez seja o romance que, neste momento, espelhe melhor a vulnerabilidade do ser humano face a poderes tecnológicos, geradores de cenários distópicos. Acaba por ser profundamente tecnófobo.
Todavia, a sua leitura à luz da nossa realidade é antes um exorcismo dos medos que pairam constantemente sobre um mundo tomado pelo terror de um inimigo (des)conhecido.
E é nesse sentido que Spielberg pretendeu realizar a sua homenagem a Wells. Como uma homenagem também ao final de um século dominado pela insegurança e aqui talvez a palavra-chave seja, vulnerabilidade.
É através de Ray Ferrier, um homem divorciado, mais interessado em dar continuidade a uma modo de vida jovial e despreocupado, do que a tentar estabelecer comunicação com os seus dois filhos Robbie e Rachel, presentes apenas ao fim de semana, que assistimos a todo o ataque dos primeiros tripods.
O impacto dramático está muito bem conseguido nas cenas iniciais da tempestade electromagnética que pôs fim a toda os aparelhos eléctricos, passando pelo desenterrar do primeiro monstro que quebra o asfalto e remove prédios do sítio, exterminando humanos com o laser, reduzidos a cinzas. Ao ver Tom Cruise coberto de cinzas surge nas mentes dos espectadores, inevitavelmente, o 11 de Setembro; outras referências vão surgindo ao longo do filme; a queda do avião, a chuva de roupas. Como não podia deixar de ser, a alusão à ameaça do terrorismo, perfeitamente expressa através dos invasores.
Spielberg não deixa o filme perder o fôlego depois do impacto inicial e a fuga da família Ferrier para Boston, onde estaria presumivelmente a mãe das crianças, é assinalada por momentos difíceis e dramáticos, como a tentativa de roubo do carro por uma multidão totalmente tomada pelo pânico, pensando exclusivamente em sobreviver. Ou o ataque dos tripods ao barco e a reacção humana, marcada por desumanidade e falta de solidariedade, exceptuando os actos de Robbie.
O drama familiar atinge o auge quando Ray é forçado a tomar a escolha entre salvar um filho e outro. O homem egoísta apercebe-se então do amor pelos filhos e perante o desaparecimento de Robbie, fica totalmente destroçado. As impressões acerca do filme até aqui são óptimas, com óptimas interpretações. Não é fiel ao livro, mas está lá toda a lógica presente, ainda que de forma distorcida.
Até que Spielberg toma a decisão de enfiar as personagens numa cave por um inenarrável período de tempo que simplesmente pôs fim a toda a dinâmica do filme. E a fazer-lhes companhia temos Tim Robbins, num dos papéis mais absolutamente cliché e banais da história cinematográfica spielberguiana; se pretendiam um lunático perigoso, obtivemos uma personagem que nunca consegue convencer completamente o espectador e torna-se francamente histérica e, atrevo-me a dizer, risível.
A seguir, assistimos às opções duvidosas de inserir a minhoca marciana a rondar a cave e os próprios marcianos, mais parecendo uma ameaça ao nível dos Gremlins do que ao nível de perpetradores de uma catástrofe mundial.
E terminado o episódio da cave, somos transportados para um novo mundo surreal, grotesco, em tons vermelhos, de sangue humano. Já o filme então perdera toda a força e verosimilhança. Tom Cruise torna-se o action man das granadas e Dakota Fanning, a criança perturbada e em estado de choque.
O final é o final do livro, sendo uma versão obtusa e antiquada em relação às bactérias, tendo em conta de que se trata de uma adaptação para o séc. XXI. Até porque ainda se torna menos credível a opção de enterrar os tripods no solo durante milhares de anos, e de não os ter feito prever o flagelo das bactérias. Tantos planos esboçados contra nós pelo cano abaixo.
Dá-se a reunião familiar, encerrando em tons cor-de-rosa o filme, uma opção já criticada em Minority Report. Spielberg é o mestre da técnica cinematográfica e dos efeitos especiais, não há como duvidar disso, mas torna-se já patente, nos últimos anos, a sua dificuldade em levar a bom porto a conclusão narrativa dos seus filmes de pendor FC.
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